Primórdios e Período Colonial
A base da literatura americana tem
início com a transmissão oral de mitos, lendas, contos e letras (sempre
de canções) das culturas indígenas. A tradição oral do indígena
americano é bastante diversificada. As histórias indígenas fazem uma
brilhante reverência à natureza como mãe espiritual e também física. A
natureza é viva e dotada de forças espirituais; os principais
personagens podem ser animais ou plantas, geralmente totens associados a
uma tribo, um grupo ou indivíduo.
A contribuição do índio americano para os Estados Unidos é maior do
que se pensa. Centenas de palavras indígenas são usadas no inglês
americano do dia-a-dia, entre elas “canoe” (canoa), “tobacco” (tabaco),
“potato” (batata), “moccasin” (mocassim), “moose” (alce), “persimmon”
(caqui), “raccoon” (guaximim), “tomahawk” (machadinha indígena) e
“totem” (totem). A produção literária ameríndia contemporânea, da qual
trata o capítulo 7, também contém obras de grande beleza.
O primeiro registro europeu sobre a exploração da América é em um idioma escandinavo. A Velha Saga Norueguesa de Vinland conta
como o aventureiro Leif Eriksson e um bando de noruegueses errantes se
instalaram por um breve período na costa nordeste da América —
provavelmente na Nova Escócia, no Canadá — na primeira década do século
11.
O primeiro contato conhecido e comprovado entre os americanos e o
resto do mundo, contudo, começou com a famosa viagem de um explorador
italiano, Cristóvão Colombo, financiada por Izabel, rainha da Espanha. O
diário de Colombo em sua “Epístola”, impresso em 1493, conta o drama
da viagem.
![]() “O Primeiro Dia de Ação de Graças, 1621”, de J.L.G. Ferris, mostra os primeiros colonizadores da América e os indígenas americanos celebrando uma colheita abundante (Cortesia: Biblioteca do Congresso) |
As primeiras tentativas de colonização pelos ingleses foram
desastrosas. A primeira colônia foi fundada em 1585 em Roanoke, na
costa da Carolina do Norte; todos os seus colonizadores desapareceram. A
segunda colônia foi mais duradoura: Jamestown, fundada em 1607. Ela
resistiu à fome, à brutalidade e ao desgoverno. No entanto, a
literatura desse período pinta a América com cores brilhantes como uma
terra de fartura e oportunidades. Relatos sobre as colonizações
tornaram-se famosos no mundo todo.
No século 17, piratas, aventureiros e exploradores abriram caminho
para uma segunda onda de colonizadores permanentes, que levou esposas,
filhos, implementos agrícolas e ferramentas artesanais. As primeiras
produções literárias da época da exploração consistiam de diários,
cartas, diários de viagem, registros de bordo e relatórios dirigidos
aos financiadores dos exploradores. Como a Inglaterra acabou tomando
posse das colônias da América do Norte, a literatura colonial mais
conhecida e antologizada era inglesa.
Na história do mundo, provavelmente, não houve outros colonizadores
tão intelectualizados quanto os puritanos, a maioria dos quais de
origem inglesa ou holandesa. Entre 1630 e 1690, havia tantos bacharéis
na região nordeste dos Estados Unidos, conhecida como Nova Inglaterra,
quanto na Inglaterra. Os puritanos, que sempre venceram pelo próprio
esforço e foram geralmente autodidatas, queriam educação para entender e
realizar a vontade divina ao fundarem suas colônias por toda a Nova
Inglaterra.
O estilo puritano apresentava grande variedade — da complexa poesia
metafísica aos diários domésticos, passando pela história religiosa com
fortes toques de pedantismo. Seja qual for o estilo ou o gênero,
certos temas eram constantes. A vida vista como um teste; o fracasso
que leva à maldição eterna e ao fogo do inferno; e o sucesso que leva à
felicidade eterna. Esse mundo era uma arena de embates constantes
entre as forças de Deus e as forças do Diabo, um inimigo terrível com
muitos disfarces.
Há muito tempo os acadêmicos enfatizam essa ligação entre o
puritanismo e o capitalismo: ambos têm como base a ambição, o trabalho
árduo e a luta intensa pelo sucesso. Embora individualmente os
puritanos não pudessem saber, em termos estritamente teológicos, se
estavam “salvos” e entre os eleitos que iriam para o céu, eles viam em
geral o sucesso terreno como um sinal de terem sido os escolhidos.
Buscavam riqueza e status não só para eles próprios, mas como uma sempre
bem-vinda garantia de saúde espiritual e promessas de vida eterna.
Além disso, o conceito de administração estimulava o sucesso. Os
puritanos achavam que ao aumentar seu próprio lucro e o bem-estar da
comunidade, estavam também promovendo os planos de Deus. O grande
modelo de literatura, crença e conduta era a Bíblia, em uma tradução
inglesa autorizada. A grande antiguidade da Bíblia assegurava
autoridade aos olhos dos puritanos.
Com o fim do século 17 e início do século 18, o dogmatismo religioso
diminuiu gradualmente, apesar dos grandes esforços esporádicos dos
puritanos para impedir a onda de tolerância. O espírito de tolerância e
liberdade religiosa que cresceu aos poucos nas colônias americanas foi
plantado inicialmente em Rhode Island e na Pensilvânia, terra dos
quakers. Os humanos e tolerantes quakers, ou “Amigos”, como eram
conhecidos, acreditavam no caráter sagrado da consciência individual
como origem da ordem social e da moralidade. A crença fundamental dos
quakers no amor universal e na fraternidade os tornou profundamente
democráticos e contrários à autoridade religiosa dogmática. Expulsos do
rígido estado de Massachusetts, que temia sua influência,
estabeleceram uma colônia muito bem-sucedida, a Pensilvânia, sob o
comando de William Penn, em 1681.
Origens Democráticas e Escritores Pós-Revolucionários
A Revolução Americana de duras batalhas
contra a Grã-Bretanha (1775-1783) foi a primeira guerra moderna de
libertação contra uma potência colonialista. O triunfo da independência
americana era visto por muitos na época como um sinal divino de que os
Estados Unidos e seu povo estavam destinados à grandeza. A vitória
militar alimentou esperanças nacionalistas por uma literatura nova e
importante. No entanto, com exceção de escritos políticos de destaque,
poucas obras dignas de nota apareceram durante ou logo após a
Revolução.
Os americanos estavam desgostosamente conscientes de sua excessiva
dependência dos modelos literários ingleses. A busca por uma literatura
nativa tornou-se obsessão nacional. A independência literária dos
Estados Unidos foi retardada por uma identificação persistente com a
Inglaterra, pela imitação exagerada dos modelos literários ingleses ou
clássicos e por difíceis condições econômicas e políticas que
prejudicavam as publicações.
![]() James Fenimore Cooper (Cortesia: Biblioteca do Congresso) |
James Fenimore Cooper (1789-1851)
James Fenimore Cooper,
como Washington Irving, foi um dos primeiros grandes escritores
americanos. Assim como outros autores românticos da época, Cooper
evocava uma sensação de passado (naqueles dias, a vida selvagem
americana que precedeu as primeiras colonizações européias e coincidiu
com elas). Em Cooper, encontra-se o poderoso mito de uma “era de ouro” e
a dor de sua perda.
Se, por um lado, Washington Irving e outros escritores americanos
antes e depois dele esquadrinhavam a Europa em busca de suas lendas,
seus castelos e seus grandes temas, Cooper ajudava a criar o mito
essencial dos Estados Unidos: a história européia em terras americanas
foi uma reencenação da Queda no Jardim do Éden. O reino cíclico da
natureza só foi percebido no ato de destruí-lo: a vida selvagem
desapareceu diante dos olhos americanos, sumindo como uma miragem diante
dos pioneiros que chegavam. Essa é basicamente a visão trágica de
Cooper da irônica destruição da vida selvagem — o “novo Éden” que
primeiro atraiu os colonizadores.
Filho de uma família quaker, cresceu na propriedade rural distante
de seu pai em Otsego Lake (atualmente Cooperstown), na região central
do estado de Nova York. Embora essa área fosse relativamente pacífica
durante a infância de Cooper, certa vez foi cenário de um massacre de
índios. O jovem Fenimore Cooper viu homens da fronteira e índios em
Otsego Lake quando menino; mais tarde audaciosos colonos brancos
invadiram suas terras.
Natty Bumppo, famoso personagem literário de Cooper, incorpora sua
visão do homem da fronteira como um cavalheiro, um “aristocrata
natural” à maneira de Jefferson. No início de 1823, em Os Pioneiros,
Cooper começou a imaginar Bumppo. Natty é o primeiro homem da
fronteira famoso na literatura americana e predecessor literário de
inúmeros caubóis e heróis de distantes rincões ficcionais. É o
individualista idealizado e honrado, que é melhor do que a sociedade
que protege. Pobre e isolado, e no entanto puro, Natty é um exemplo de
valores éticos e antecede Billy Budd, de Herman Melville, e Huck Finn,
de Mark Twain.
Baseado em parte na vida real do pioneiro americano Daniel Boone —
que era um quaker como Cooper — Natty Bumppo, homem da floresta
excepcional como Boone, era uma pessoa pacífica adotada por uma tribo
indígena. Tanto Boone quanto o personagem Bumppo amavam a natureza e a
liberdade. Eles se deslocavam constantemente para o Oeste para escapar
dos novos colonos a quem haviam servido de guia por terras ainda não
desbravadas e se tornaram lendas ainda em vida.
A vida de Natty Bumppo é o fio unificador dos cinco romances conhecidos em seu conjunto como Leather-Stocking Tales [Contos dos Caçadores de Peles].
Como maior realização de Cooper, esses romances constituem um grande
épico em prosa tendo o continente norte-americano como cenário, tribos
indígenas como atores principais e grandes guerras e a migração para o
Oeste como fundo social. Eles dão vida à fronteira dos Estados Unidos de
1740 a 1804. A obra de Cooper retrata as sucessivas ondas de
colonização na fronteira: a terra original habitada pelos índios; a
chegada dos primeiros brancos como batedores, soldados, comerciantes e
desbravadores; a chegada das famílias de colonos pobres e rudes; e a
chegada final da classe média, trazendo os primeiros profissionais
liberais — o juiz, o médico e o banqueiro. Cada nova onda deslocava a
anterior: os brancos deslocaram os índios, que se retiraram para o
Oeste; a classe média “civilizada”, que construiu escolas, igrejas e
cadeias, deslocou a gente individualista e mais simples da fronteira
que, por sua vez, avançou ainda mais para o Oeste, deslocando os índios
que os precederam. Cooper evoca a infindável e inevitável onda de
colonos, vendo não apenas os ganhos, mas também as perdas.
Assim como Rudyard Kipling, E.M. Forster, Herman Melville e outros
observadores sensíveis de uma ampla gama de culturas interagindo entre
si, Cooper foi um relativista cultural. Ele entendeu que nenhuma
cultura detinha o monopólio sobre a virtude e o requinte.
O Período Romântico, Ensaístas e Poetas
O movimento romântico, que surgiu na
Alemanha e logo se espalhou, chegou aos Estados Unidos por volta de
1820. O ideário romântico era permeado pela dimensão estética e
espiritual da natureza e pela importância da mente e do espírito
individuais. Os românticos destacavam a importância da arte da
auto-expressão para o indivíduo e para a sociedade.
O desenvolvimento do eu tornou-se o tema central; a autoconsciência,
o método mais importante. Se, segundo a teoria romântica, o eu e a
natureza eram uma coisa só, a autoconsciência não era um caminho
egoísta, sem saída, mas uma forma de conhecimento que ampliava o
universo. Se o próprio eu vibrava em harmonia com toda a humanidade,
então o indivíduo tinha a obrigação moral de reverter as desigualdades
sociais e aliviar o sofrimento humano. A idéia do “eu”, que as gerações
anteriores viam como egoísmo, foi redefinida. Surgiram novas palavras
compostas com significados positivos: “auto-realização”,
“auto-expressão” e “auto-suficiência”.
À medida que o eu único, subjetivo ganhava importância, verificava-se
o mesmo no âmbito da psicologia. Técnicas e efeitos artísticos
excepcionais foram criados para evocar estados psicológicos elevados. O
“sublime” — efeito da beleza na grandiosidade (por exemplo, vista do
alto da montanha) — produzia sentimentos de assombro respeitoso,
reverência, imensidão e uma força além da compreensão humana.
O romantismo era afirmativo e apropriado para a maioria dos poetas e
ensaístas criativos americanos. As grandes montanhas, os desertos e os
trópicos dos Estados Unidos expressavam o sublime. O espírito romântico
parecia especialmente apropriado para a democracia americana: ele
enfatizava o individualismo, afirmava o valor da pessoa comum e buscava
na imaginação inspirada seus valores éticos e estéticos.
Transcendentalismo
O movimento transcendentalista, representado pelos ensaístas Ralph
Waldo Emerson e Henry David Thoreau, foi uma reação contra o
racionalismo do século 18 e estava intimamente ligado ao movimento
romântico. Está bastante associado à Concord, no estado de
Massachusetts, cidade perto de Boston, onde viveram Emerson, Thoreau e
um grupo de outros escritores.
Em geral, o transcendentalismo foi uma filosofia liberal que
privilegiou a natureza em lugar da estrutura religiosa formal, a
percepção individual em lugar do dogma e o instinto humano em lugar da
convenção social. Os românticos transcendentalistas americanos levaram o
individualismo radical ao extremo. Os escritores americanos — de então
ou que vieram depois — viam-se com freqüência como exploradores
solitários fora da sociedade e das convenções. O herói americano — como o
capitão Ahab, de Herman Melville, ou Huck Finn, de Mark Twain —
tipicamente enfrentava riscos ou mesmo certa destruição em busca da
autodescoberta metafísica. Para o escritor romântico americano, nada era
dado. As convenções literárias e sociais, longe de serem úteis, eram
perigosas. Havia grande pressão para encontrar uma forma, voz e conteúdo
literários autênticos.
![]() Ralph Waldo Emerson (Cortesia: Galeria Nacional de Retratos, Instituto Smithsoniano) |
Ralph Waldo Emerson (1803-1882)
Ralph Waldo Emerson, a figura eminente de sua época, tinha um
sentido de missão religiosa. Embora muitos o tenham acusado de
subverter o cristianismo, ele explicou que, para ele, “era necessário
deixar a igreja para ser um bom pastor”. O discurso que proferiu em
1838 em sua alma mater, a Faculdade de Estudos Religiosos de
Harvard, fez com que ele não fosse bem-vindo em Harvard por 30 anos.
Nele, Emerson acusou a igreja de enfatizar o dogma enquanto sufocava o
espírito.
Emerson é extraordinariamente consistente em seu apelo pelo
nascimento do individualismo americano inspirado pela natureza. O
ensaio “A Natureza” (1836), sua primeira publicação, começa assim:
Our age is retrospective. It builds the sepulchers of the
fathers. It writes biographies, histories, criticism. The foregoing
generations beheld God and nature face to face; we [merely] through
their eyes. Why should not we also enjoy an original relation to the
universe? Why should not we have a poetry of insight and not of
tradition, and a religion by revelation to us, and not the history of
theirs. Embosomed for a season in nature, whose floods of life stream
around and through us, and invite us by the powers they supply, to
action proportioned to nature, why should we grope among the dry bones
of the past ...?
Much of his spiritual insight comes from his readings in Hinduism, Confucianism, and Islamic Sufism.
![]() Henry David Thoreau (© Arquivo Bettmann) |
Henry David Thoreau (1817-1862)
Henry David Thoreau nasceu em Concord e fez da cidade sua residência
permanente. Vindo de uma família pobre como Emerson, construiu seu
caminho para Harvard. A obra-prima de Thoreau, Walden ou a Vida nos Bosques
(1854), é fruto de dois anos, dois meses e dois dias (de 1845 a 1847)
passados em uma cabana de madeira construída por ele no Lago Walden,
perto de Concord. Esse longo ensaio poético desafia o leitor a olhar
para a sua vida e vivê-la de forma autêntica.
O ensaio de Thoreau “A Desobediência Civil”, com sua teoria de
resistência passiva baseada na necessidade do indivíduo justo de
desobedecer a leis injustas, serviu de inspiração para o movimento de
independência da Índia de Mahatma Gandhi e para a luta de Martin Luther
King pelos direitos civis dos negros americanos no século 20.
![]() Walt Whitman (Cortesia: Biblioteca do Congresso) |
Walt Whitman (1819-1892)
Nascido em Long Island, Nova York, Walt Whitman foi carpinteiro em
tempo parcial e homem do povo, cujo trabalho brilhante e inovador
traduziu o espírito democrático do país. Whitman foi em grande parte
autodidata; aos 11 anos abandonou a escola para trabalhar, não
freqüentando o tipo de educação tradicional que fez com que a maioria
dos autores americanos se tornasse respeitáveis imitadores dos
ingleses. Suas Folhas de Relva (1855), que ele reescreveu e
revisou por toda a vida, contém “Canção de Mim Mesmo”, o poema mais
original e formidável já escrito por um americano.
A forma inovadora, sem rima e com verso livre do poema, a franca
celebração da sexualidade, a sensibilidade democrática vibrante e a
declaração romântica extremada que o eu do poeta era um só com o
universo e o leitor alteraram para sempre o curso da poesia americana.
![]() Emily Dickinson (Cortesia: Harper Bros.) |
Emily Dickinson (1830-1886)
Emily Dickinson é, de certa forma, elo de ligação entre sua época e
as sensibilidades literárias do século 20. Individualista radical, ela
nasceu e passou sua vida em Amherst, pequeno povoado no estado de
Massachusetts. Nunca se casou e levou uma vida não convencional sem
grandes acontecimentos externos, mas cheia de intensidade interior. Ela
amava a natureza e encontrou inspiração profunda nos pássaros, nos
animais, nas plantas e nas mudanças de estação na zona rural da Nova
Inglaterra. Emily Dickinson viveu a última parte da sua vida em reclusão
devido a uma psique extremamente sensível e possivelmente para
conseguir tempo para escrever.
O estilo conciso, normalmente imagístico da poeta é ainda mais
moderno e inovador do que o de Whitman. Há ocasiões em que ela mostra
uma consciência existencial terrível. Sua poesia limpa, clara e bem
delineada, redescoberta nos anos 1950, traz alguns dos mais fascinantes
e desafiadores poemas da literatura americana.
O Período Romântico, Ficção
Walt Whitman, Herman Melville e Emily
Dickinson — assim como seus contemporâneos Nathaniel Hawthorne e Edgar
Allan Poe — representam a primeira geração literária importante dos
Estados Unidos. No caso de escritores de ficção, a visão romântica
tendia a se expressar na forma que Hawthorne chamava de “romance”, uma
forma sofisticada, emocional e simbólica da narrativa ficcional. Segundo
a definição de Hawthorne, os “romances” não eram histórias de amor,
mas literatura de ficção séria que recorria a técnicas especiais para
comunicar significados complexos e sutis.
Em vez de definir cuidadosamente os personagens de forma realista
por meio da riqueza de detalhes, como fazia a maioria dos romancistas
ingleses ou continentais, Hawthorne, Melville e Poe construíram figuras
heróicas maiores do que a vida, impregnadas de significados míticos.
Os protagonistas típicos do chamado romance americano são pessoas
atormentadas e isoladas. Arthur Dimmesdale ou Hester Prynne, de
Hawthorne, em A Letra Escarlate, Ahab, de Melville, em Moby Dick,
e muitos dos personagens segregados e obcecados dos contos de Poe são
protagonistas solitários jogados ao destino sombrio e impenetrável que,
de alguma maneira misteriosa, se sobrepõem ao seu “eu” inconsciente
mais profundo. As tramas simbólicas revelam ações ocultas do espírito
angustiado.
Uma razão para essa exploração ficcional dos recôncavos da alma era a
ausência na época de uma comunidade estabelecida. Os romancistas
ingleses — Jane Austen, Charles Dickens (o grande favorito), Anthony
Trollope, George Eliot e William Thackeray — viviam em uma sociedade
tradicional, bem articulada e complexa, além de compartilhar com seus
leitores atitudes que embasavam sua ficção realista.
Os romancistas americanos enfrentavam uma história de conflito e
revolução, uma geografia de vastos ermos não desbravados e uma
sociedade democrática fluida e relativamente sem classes. Muitos
romances ingleses mostram um personagem principal pobre que galga os
degraus da escada social e econômica, talvez devido a um bom casamento
ou à descoberta de um passado aristocrata desconhecido. Mas essa trama
não desafia a estrutura social aristocrática da Inglaterra. Ao
contrário, ela a confirma. A ascensão social do personagem principal
satisfaz a realização do desejo dos leitores que na Inglaterra daquela
época eram principalmente de classe média.
O romancista americano, ao contrário, tinha de adotar uma estratégia
própria. Os Estados Unidos eram, em parte, uma fronteira indefinida,
em constante movimento, habitada por imigrantes que falavam diversos
idiomas e cujo estilo de vida era estranho e rude. Portanto, o
personagem principal de uma narrativa americana poderia se encontrar
sozinho entre tribos canibais, como em Taipi – Paraíso de Canibais,
de Melville, ou explorar terras selvagens, como os caçadores de peles
de James Fenimore Cooper, ou ter visões de sepulcros isolados, como os
personagens solitários de Poe, ou encontrar o demônio durante uma
caminhada pela floresta, como o jovem Goodman Brown de Hawthorne.
Praticamente todos os grandes protagonistas americanos são
“solitários”. O americano democrático teve, por assim dizer, de se
“inventar” a si mesmo. O romancista americano sério também precisou
criar novas formas: daí o formato disperso e idiossincrático do romance Moby Dick de Melville e a narrativa em clima de sonho e divagação de Poe, O Relato de Arthur Gordon Pym.
![]() Herman Melville (Cortesia: Biblioteca da Faculdade de Harvard) |
Herman Melville (1819-1891)
Herman Melville era descendente de uma família antiga e abastada que
caiu repentinamente na pobreza com a morte do pai. Apesar de sua
criação, das tradições familiares e do trabalho árduo, Melville não
teve educação universitária. Aos 19 anos, foi para o mar. Seu interesse
pela vida dos marinheiros foi uma conseqüência natural de suas
próprias experiências e seus primeiros romances foram em grande parte
inspirados em suas viagens. Seu primeiro livro, Taipi, foi baseado no tempo em que viveu entre o povo taipi, nas Ilhas Marquesas, no Sul do Pacífico.
Moby Dick; ou, A Baleia, obra-prima de Melville, é um épico sobre a história da baleeira Pequod e
de seu capitão, Ahab, cuja busca obsessiva pela baleia branca, Moby
Dick, leva o barco e seus homens à destruição. Essa obra, romance de
aventura aparentemente realista, contém uma série de reflexões sobre a
condição humana.
A pesca da baleia, que percorre todo o livro, é uma grande metáfora
da busca por conhecimento. Embora a busca de Ahab seja filosófica, ela é
também trágica. A despeito de seu heroísmo, Ahab é condenado e talvez
amaldiçoado no final. A natureza, ainda que bela, é misteriosa e
potencialmente fatal. Em Moby Dick, Melville desafia a idéia
otimista de Emerson de que os seres humanos podem entender a natureza.
Moby Dick, a grande baleia branca, representa a existência cósmica e
impenetrável que domina o romance, da mesma maneira que obceca Ahab. Os
fatos sobre a baleia e sua pesca não podem explicar Moby Dick;
ao contrário, os próprios fatos tendem a se dissolver em símbolos. Por
trás do conjunto de fatos relatados por Melville está uma visão
mística — mas se essa visão é do mal ou do bem, humana ou desumana, não
é explicado.
Ahab insiste em imaginar um mundo de absolutos atemporal e heróico.
Insensatamente, ele exige um “texto” acabado, uma resposta. Mas o
romance mostra que, assim como não existem formas acabadas, não há
respostas definitivas exceto, talvez, a morte. Algumas referências
literárias ressoam pelo romance. Ahab, cujo nome vem de um rei do
Antigo Testamento, deseja o conhecimento absoluto, faustiano e divino.
Como Édipo na peça de Sófocles, que paga de forma trágica pelo
conhecimento equivocado, Ahab é atingido pela cegueira antes de ser
morto no final.
O nome do barco de Ahab, Pequod, refere-se a uma tribo
indígena extinta da Nova Inglaterra; assim, o nome sugere que o barco
está fadado à destruição. A pesca da baleia, na verdade, foi uma
indústria importante, em especial na Nova Inglaterra: ela fornecia óleo
de baleia como fonte de energia, principalmente para lamparinas.
Portanto, a baleia literalmente “lança luz” sobre o universo. O livro
tem ressonância histórica. A pesca da baleia era inerentemente
expansionista e ligada à idéia histórica de um “destino manifesto” para
os americanos, já que exigia que navegassem ao redor do mundo em busca
de baleias (de fato, o atual estado do Havaí caiu sob o domínio
americano porque era usado como importante base de reabastecimento de
combustível para os navios baleeiros). Os membros da tripulação do Pequod representam
todas as raças e várias religiões, sugerindo a idéia de um Estados
Unidos como um estado de espírito universal, bem como de um caldeirão
cultural. Finalmente, Ahab incorpora a versão trágica do individualismo
americano democrático. Ele afirma sua dignidade como indivíduo e ousa
se opor às inexoráveis forças externas do universo.
A Ascensão do Realismo
A Guerra Civil Americana (1861-1865)
entre o Norte industrial e o Sul agrícola e escravagista foi um divisor
de águas na história dos EUA. Antes da guerra, os idealistas defendiam
os direitos humanos, especialmente a abolição da escravidão; depois da
guerra, os americanos passaram a idealizar cada vez mais o progresso e
o “self-made man”, como chamam as pessoas que conseguem
vencer na vida pelo próprio esforço. Essa foi a era dos industriais e
dos especuladores milionários, quando a teoria de Darwin sobre a
evolução biológica e a “sobrevivência dos mais aptos” entre as espécies
foi aplicada à sociedade e parecia sancionar a falta de ética ocasional
nos métodos utilizados pelos magnatas empresariais de sucesso.
Os negócios prosperaram rapidamente após a guerra. O novo sistema
ferroviário intercontinental, inaugurado em 1869, e o telégrafo
transcontinental, que começou a operar em 1861, deram à indústria
acesso a materiais, mercados e comunicações. O ingresso constante de
imigrantes propiciou o fornecimento aparentemente interminável de
mão-de-obra barata. Mais de 23 milhões de estrangeiros — alemães,
escandinavos e irlandeses nos primeiros anos e, a partir de então, cada
vez mais imigrantes da Europa Central e do Sul — entraram nos Estados
Unidos entre 1860 e 1910. Em 1860, a maioria dos americanos vivia em
fazendas ou pequenos povoados, mas em 1919 metade da população estava
concentrada em cerca de 12 cidades.
Surgiram os problemas da urbanização e da industrialização:
habitações pobres e superlotadas, falta de saneamento, baixos salários
(chamados de “escravidão assalariada”), condições de trabalho difíceis e
controle inadequado dos negócios. Os sindicatos trabalhistas
cresceram, e as greves levaram ao conhecimento da nação a difícil
situação da classe trabalhadora. Os agricultores também se viram
lutando contra os “interesses monetários” do Leste. De 1860 a 1914, os
Estados Unidos passaram de ex-colônia agrícola a uma imensa nação
industrial moderna. A nação endividada de 1860 havia se transformado no
Estado mais rico do mundo em 1914. Na época da Primeira Guerra Mundial,
os Estados Unidos tinham se tornado a maior potência mundial.
A industrialização cresceu e, com ela, cresceu também o
distanciamento. Dois grandes romancistas desse período — Mark Twain e
Henry James — reagiram cada um à sua maneira. Twain voltou-se para o
Sul e o Oeste no coração dos Estados Unidos rurais e fronteiriços para
encontrar seu mito definidor; James voltou-se para a Europa a fim de
avaliar a natureza dos novos americanos cosmopolitas.
Samuel Clemens (Mark Twain) (1835-1910)
![]() Mark Twain (Ilustração: Thaddeus A. Miksinski, Jr.) |
Samuel Clemens, mais conhecido por seu pseudônimo Mark Twain,
cresceu à beira do Rio Mississippi, na cidade fronteiriça de Hannibal,
no Missouri. Ernest Hemingway disse que toda a literatura americana vem
de um grande livro, As Aventuras de Huckleberry Finn, de Mark
Twain. No início do século 19, os escritores americanos tendiam a ser
demasiadamente rebuscados, sentimentais ou pomposos — em parte porque
ainda tentavam provar que poderiam escrever de forma tão elegante
quanto os ingleses. O estilo de Twain, baseado na fala americana
vigorosa, realista e coloquial, deu aos escritores do país uma nova
valorização de sua voz nacional. Mark Twain foi o primeiro autor
importante do interior do país. Ele captou suas gírias peculiares e
humorísticas e o espírito iconoclasta.
Para Twain, assim como para outros escritores americanos do final do
século 19, o realismo não era apenas uma técnica literária: era uma
maneira de falar a verdade e detonar antigas convenções. Portanto, era
profundamente libertador e potencialmente hostil à sociedade. O exemplo
mais conhecido é a história de Huck Finn, menino pobre que decide
seguir a voz da consciência e ajudar um escravo negro a fugir para a
liberdade, apesar de pensar que isso o condenaria ao inferno por
infringir a lei.
A obra-prima de Twain, lançada em 1884, tem como cenário a
aldeia de St. Petersburg, às margens do rio Mississippi. Filho de um
vagabundo alcoólatra, Huck acabara de ser adotado por uma família
respeitável quando seu pai, em estupor alcoólico, o ameaça de morte.
Temendo por sua vida, Huck foge, fingindo estar morto. Nessa fuga,
junta-se a ele outro marginal, o escravo Jim, cuja dona, senhorita
Watson, está pensando em vendê-lo rio abaixo para a escravidão mais
empedernida do extremo Sul. Huck e Jim descem o majestoso Mississippi em
uma canoa, mas ela é abalroada por um barco a vapor e afunda; eles se
separam e mais tarde voltam a se encontrar. Os dois passam por muitas
aventuras cômicas e perigosas à margem do rio mostrando a variedade, a
generosidade e, às vezes, a irracionalidade cruel da sociedade. No
final, descobre-se que a senhorita Watson já havia libertado Jim, e uma
família respeitável está cuidando do rebelde Huck. Mas Huck não se
adapta à sociedade civilizada e planeja fugir para “os territórios” —
terras indígenas.
O final dá ao leitor outra versão do clássico mito da “pureza”
americana: a estrada aberta levando a terras ermas intocadas, longe das
influências moralmente corruptas da “civilização”. Os romances de
James Fenimore Cooper, os hinos de Walt Whitman à estrada livre, O Urso de William Faulkner e On the Road — Pé na Estrada de Jack Kerouac são outros exemplos literários.
Henry James (1843-1916)
![]() Henry James (Cortesia: Biblioteca do Congresso) |
Henry James certa vez escreveu que a arte, especialmente a
literatura, “faz a vida, faz o interesse, faz a importância”. A ficção
de James é a mais consciente, sofisticada e difícil de sua época. James
se destaca pelo “tema internacional” — ou seja, as complexas relações
entre americanos ingênuos e europeus cosmopolitas.
O que seu biógrafo, Leon Edel, chama de primeira fase ou a fase internacional de James inclui obras como The American [O Americano] (1877), Daisy Miller (1879) e sua obra máxima, Retrato de uma Senhora (1881). Em The American,
por exemplo, Christopher Newman, industrial milionário que venceu por
seu próprio esforço, ingênuo, mas inteligente e idealista, vai para a
Europa em busca de uma noiva. Quando a família da moça o rejeita por não
ser aristocrata, ele tem a oportunidade de vingança; ao decidir nada
fazer, mostra sua superioridade moral.
A segunda fase de James foi experimental. Ele explorou novos temas — feminismo e reforma social em The Bostonians [Os Bostonianos] (1886) e intriga política em The Princess Casamassima [A Princesa Casamassima]
(1885). Em sua terceira fase, ou a “principal”, James volta aos temas
internacionais, mas os trata com crescente sofisticação e profundeza
psicológica. O complexo e quase mítico As Asas da Pomba (1902), Os Embaixadores (1903) — que James considerava seu melhor romance — e A Taça de Ouro
(1904) datam desse importante período. Se o tema principal da obra de
Mark Twain é a diferença sempre cheia de humor entre a falsa aparência e
a realidade, a preocupação constante de James é a percepção. Em James,
só a autoconsciência e a clara percepção do outro levam à sabedoria e
ao amor altruísta.
Modernismo e Experimentação
Muitos historiadores caracterizaram o
período entre as duas guerras mundiais como o “amadurecimento”
traumático dos Estados Unidos, apesar do fato de que o envolvimento
direto dos americanos foi relativamente curto (1917-1918) e com muito
menos mortos do que seus aliados e inimigos europeus. Chocados e para
sempre transformados, os soldados americanos retornaram à sua pátria,
mas nunca mais puderam recuperar a inocência. Tampouco os soldados
provenientes da zona rural do país conseguiram voltar facilmente às
suas raízes. Depois de conhecer o mundo, muitos deles agora ansiavam
por uma vida moderna e urbana.
No “grande boom” do pós-guerra, os negócios floresciam e
os bem-sucedidos prosperavam além do que podiam imaginar em seus sonhos
mais desvairados. Pela primeira vez, muitos americanos entraram no
ensino superior — na década de 1920 as matrículas universitárias
dobraram. A classe média prosperou; os americanos começaram a desfrutar
da renda média nacional mais alta do mundo dessa época.
Os americanos dos chamados “loucos anos 20” se apaixonaram pelos
entretenimentos modernos. A maioria das pessoas ia ao cinema uma vez
por semana. Embora a Lei Seca — proibição nacional da venda de álcool
instituída por meio da 18º Emenda à Constituição do EUA — tenha começado em 1919, bares ilegais, conhecidos como “speakeasies”, e nightclubs
proliferaram, oferecendo jazz, bebidas e maneiras ousadas de vestir e
dançar. Dançar, ir ao cinema, fazer passeios de carro e ouvir rádio
eram manias nacionais. As mulheres americanas, em particular, se
sentiram liberadas. Elas cortaram o cabelo curto (“a la garçonne”), usavam vestidos curtos estilo “melindrosa” e vibraram com o direito ao voto garantido pela 19a Emenda à Constituição, aprovada em 1920. Falavam o que pensavam com ousadia e ocupavam funções públicas na sociedade.
Apesar dessa prosperidade, os jovens ocidentais na “vanguarda”
cultural encontravam-se em um estado de rebelião intelectual,
enfurecidos e desiludidos com a guerra selvagem e com a geração mais
velha que responsabilizavam. Ironicamente, as condições econômicas
difíceis do pós-guerra na Europa permitiam que os americanos
endinheirados — como os escritores F. Scott Fitzgerald, Ernest
Hemingway, Gertrude Stein e Ezra Pound — vivessem no exterior
confortavelmente com pouquíssimo dinheiro e absorvessem a desilusão do
pós-guerra e também outras correntes intelectuais européias, em
particular a psicologia freudiana e, em menor grau, o marxismo.
Diversos romances, em especial O Sol Também se Levanta (1926), de Hemingway, e Este Lado do Paraíso (1920),
de Fitzgerald, evocam a extravagância e a desilusão do que a escritora
americana expatriada Gertrude Stein chamou de “a geração perdida”. Em
“A Terra Desolada” (1922), longo e influente poema de T.S. Eliot, a
civilização ocidental é simbolizada por um deserto desolado necessitando
desesperadamente de chuva (renovação espiritual).
Modernismo
A grande onda cultural do modernismo, que surgiu na Europa e depois
se espalhou para os Estados Unidos nos primeiros anos do século 20,
expressava um sentido de vida moderna pela arte como uma ruptura brusca
com o passado. À medida que as máquinas modernas mudavam o ritmo, a
atmosfera e a aparência da vida diária no início do século 20, muitos
artistas e escritores, com graus variados de sucesso, reinventavam
formas artísticas tradicionais e buscavam radicalmente outras novas —
eco estético do que as pessoas haviam passado a chamar de “era da
máquina”.
![]() T.S. Eliot (Cortesia: Acme Photos) |
T.S. Eliot (1888-1965)
Thomas Stearns Eliot recebeu a melhor educação em comparação a
qualquer outro grande escritor americano de sua geração. Freqüentou a
Faculdade de Harvard, a Sorbonne e a Universidade de Oxford. Estudou
sânscrito e filosofia oriental, o que influenciou sua poesia. Como seu
amigo, o poeta Ezra Pound, foi para a Inglaterra cedo e se tornou
figura de destaque no mundo literário inglês. Um dos poetas mais
respeitados de sua época, sua poesia iconoclasta modernista,
aparentemente ilógica ou abstrata teve impacto revolucionário.
Em “A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock” (1915), o impotente e
velho Prufrock acha que “mediu sua vida em colherinhas de café” — a
imagem das colherinhas de café refletindo uma existência enfadonha e
uma vida desperdiçada. A famosa abertura de “Prufrock” convida o leitor
para vielas urbanas de mau gosto que, como a vida moderna, não
oferecem respostas às questões da vida:
Sigamos então, tu e eu,
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa...
(Tradução de Ivan Junqueira)
Enquanto o poente no céu se estende
Como um paciente anestesiado sobre a mesa...
(Tradução de Ivan Junqueira)
Imagens semelhantes permeiam “A Terra Desolada” (1922), que ecoa o
“Inferno” de Dante para evocar as ruas apinhadas de Londres na época da
Primeira Guerra Mundial:
Sob a fulva neblina de uma aurora de inverno,
Fluía a multidão pela Ponte de Londres, eram tantos,Jamais pensei que a morte a tantos destruíra... (I, 60-63)
(Tradução de Ivan Junqueira)
Fluía a multidão pela Ponte de Londres, eram tantos,Jamais pensei que a morte a tantos destruíra... (I, 60-63)
(Tradução de Ivan Junqueira)
![]() Robert Frost (©AP Images) |
Robert Frost (1874-1963)
Robert Lee Frost nasceu na Califórnia, mas foi criado em uma fazenda
no nordeste dos EUA até os 10 anos. Como Eliot e Pound, foi para a
Inglaterra, atraído por novos movimentos poéticos. Escreveu sobre a
vida nas fazendas tradicionais da Nova Inglaterra (no nordeste dos
Estados Unidos), mostrando nostalgia pelo estilo de vida do passado.
Seus temas são universais — colheita de maçã, muros de pedra, cercas,
estradas rurais. Embora sua abordagem fosse clara e acessível, seu
trabalho muitas vezes só é simples na aparência. Muitos poemas sugerem
um sentido mais profundo. Por exemplo, uma noite tranqüila e nevosa
pode sugerir, por meio de uma combinação de rimas quase hipnótica, a
aproximação não de todo indesejada da morte. De “Stopping by Woods on a
Snowy Evening” [“Parado no Bosque Numa Noite de Neve”] (1923):
De quem é esse bosque acho que sei.
Sua casa, no entanto, fica na aldeia;
Ele não me verá parado aqui
Olhando seu bosque se cobrir de neve.
Sua casa, no entanto, fica na aldeia;
Ele não me verá parado aqui
Olhando seu bosque se cobrir de neve.
Embora a prosa americana no período entre guerras tenha feito
experimentações relativas ao ponto de vista e à forma, de modo geral os
americanos escreviam de maneira mais realista do que os europeus. A
importância de enfrentar a realidade tornou-se tema dominante nas
décadas de 1920 e 1930: escritores como F. Scott Fitzgerald e o
dramaturgo Eugene O’Neill retrataram diversas vezes a tragédia que
aguardava aqueles que vivem de sonhos frágeis.
![]() F. Scott Fitzgerald (Cortesia: Biblioteca do Congresso) |
F. Scott Fitzgerald (1896-1940)
A vida de Francis Scott Key Fitzgerald parece um conto de fadas.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Fitzgerald se alistou no Exército
americano e se apaixonou por uma moça rica e bonita, Zelda Sayre, que
morava em Montgomery, no Alabama, onde ele estava estacionado. Depois
de ter sido dispensado no fim da guerra, foi em busca de sua fortuna
literária na cidade de Nova York para poder se casar com ela.
Seu primeiro romance, Este Lado do Paraíso (1920), se tornou um best-seller,
e aos 24 anos se casou com Zelda. Nem um dos dois estava preparado
para lidar com as pressões do sucesso e da fama, e acabaram dissipando o
dinheiro que tinham. Em 1924, mudaram-se para a França para economizar
e retornaram sete anos depois. Zelda tornou-se mentalmente instável e
precisou ser internada; Fitzgerald virou alcoólatra e morreu jovem como
roteirista de cinema.
Fitzgerald garantiu seu lugar na literatura americana principalmente com seu romance O Grande Gatsby (1925), história escrita com brilhantismo e economicamente estruturada sobre o sonho americano do homem que se fez sozinho (self-made man).
O protagonista, o misterioso Jay Gatsby, descobre o preço devastador
do sucesso em termos de realização pessoal e do amor. Mais do que
qualquer outro escritor, Fitzgerald captou a vida de esplendor e
desespero dos anos 1920.
![]() Ernest Hemingway (Cortesia: Pix Publishing, Inc.) |
Ernest Hemingway (1899-1961)
Poucos escritores tiveram um
vida tão intensa quanto Ernest Hemingway, cuja carreira poderia ter
saído de um de seus romances de aventura. Como Fitzgerald, Dreiser e
muitos outros romancistas do século 20, Hemingway veio do Meio Oeste dos
EUA. Apresentou-se como voluntário para trabalhar como motorista de
ambulância na França durante a Primeira Guerra Mundial, mas foi ferido e
ficou hospitalizado por seis meses. Depois da guerra, como
correspondente de guerra baseado em Paris, encontrou os escritores
americanos expatriados Sherwood Anderson, Ezra Pound, F. Scott
Fitzgerald e Gertrude Stein. Stein, em particular, influenciou seu
estilo conciso.
Depois de ficar famoso com o romance O Sol Também se Levanta,
ele continuou a trabalhar como jornalista, cobrindo a Guerra Civil
Espanhola, a Segunda Guerra Mundial e a luta na China na década de
1940. Durante um safári na África, feriu-se em um acidente com seu
pequeno avião; apesar disso, continuou gostando de caçadas e da pesca
esportiva, atividades que inspiraram alguns de seus melhores trabalhos.
O Velho e o Mar (1952), breve romance poético sobre um pobre e
velho pescador, cujo peixe imenso pescado em mar aberto é devorado por
tubarões, rendeu-lhe o Prêmio Pulitzer em 1953; no ano seguinte,
recebeu o Prêmio Nobel. Acossado por um histórico familiar
problemático, doenças e por acreditar que estava perdendo o dom de
escrever, o escritor se matou com um tiro em 1961. Hemingway é
considerado o mais popular romancista americano. Seus interesses são
basicamente apolíticos e humanísticos, e nesse sentido ele é universal.
Como Fitzgerald, Hemingway se tornou porta-voz de sua geração. Mas
ao invés de retratar seu glamour fatal, como fez Fitzgerald, que nunca
lutou na Primeira Guerra Mundial, Hemingway escreveu sobre a guerra, a
morte e a “geração perdida” de sobreviventes desiludidos. Seus
personagens não são sonhadores, mas toureiros, soldados e atletas
durões. Se intelectuais, são profundamente marcados e desiludidos. Sua
marca registrada é o estilo claro desprovido de palavras
desnecessárias. Usa com freqüência a contenção. Em Adeus às Armas
(1929) a heroína morre ao dar à luz dizendo: “Não tenho medo. É só um
golpe baixo.” Certa vez comparou sua produção literária a icebergs:
“Para cada parte que se revela, há sete oitavos debaixo d’água.”
![]() William Faulkner (©AP Images) |
William Faulkner (1897-1962)
Nascido em uma antiga família sulista, William Harrison Faulkner foi
criado em Oxford, no estado do Mississippi, onde viveu grande parte de
sua vida. Faulkner recria a história da terra e das várias raças que
nela viveram. Escritor inovador, Faulkner fez experimentações
brilhantes com a cronologia narrativa, diferentes pontos de vista e
vozes (inclusive a de párias, crianças e analfabetos) e um rico e
absorvente estilo barroco, constituído de frases extremamente longas.
Entre os melhores romances de Faulkner estão O Som e a Fúria (1929) e Enquanto Agonizo (1930),
duas obras modernistas que fazem experimentações com pontos de vista e
vozes para explorar fundo o drama de famílias sulistas sob a tensão de
perder um membro da família; Luz em Agosto, sobre as relações complexas e violentas entre um mulher branca e um homem negro; e Absalom, Absalom! (1936), talvez seu melhor livro, sobre a ascensão de fazendeiro que subiu na vida por seu próprio esforço e sua trágica queda.
Dramaturgia americana no século 20
A dramaturgia americana foi uma imitação do teatro inglês e europeu
até o século 20. Foi somente no século 20 que peças sérias americanas
tentaram fazer inovações estéticas.
![]() Eugene O’Neill (©AP Images) |
Eugene O'Neill (1888-1953)
Eugene O’Neill é a grande figura da dramaturgia americana. Suas
diversas peças combinam enorme originalidade técnica com visão renovada
e profundidade emocional. As primeiras peças de O’Neill tratam da
classe trabalhadora e dos pobres; trabalhos posteriores exploram o
mundo subjetivo e destacam sua leitura de Freud e a tentativa
angustiada de aprender a conviver com as mortes da mãe, do pai e do
irmão.
Sua peça Desejo sob os Ulmeiros (1924) recria as paixões escondidas de uma família. Suas peças posteriores incluem as reconhecidas obras-primas The Iceman Cometh (1946), obra cabal sobre o tema da morte, e Longa Jornada Noite Adentro
(1956) —poderosa autobiografia em forma dramática, enfocando a própria
família e sua deterioração física e psicológica, com a ação
transcorrendo no período de uma noite.
O Desabrochar do Indivíduo
A Grande Depressão dos anos 1930 tinha
literalmente destruído a economia americana. A Segunda Guerra Mundial a
recuperou. Os Estados Unidos tornaram-se a principal força no cenário
mundial, e os americanos do pós-Segunda Guerra desfrutaram de
prosperidade pessoal e liberdade individual sem precedentes.
A expansão do ensino superior e a disseminação da televisão nos
Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial possibilitaram que pessoas
comuns obtivessem informações por conta própria e se tornassem mais
sofisticadas. Um excesso de comodidades aos consumidores e o acesso a
casas grandes e atraentes em áreas residenciais de classe média deram
maior autonomia às famílias. As difundidas teorias da psicologia
freudiana enfatizaram as origens e a importância da mente individual. A
“pílula” anticoncepcional liberou as mulheres da estrita obediência às
normas biológicas. Pela primeira vez na história da humanidade, muitas
pessoas comuns podiam levar a vida de forma altamente satisfatória e
afirmar seu valor pessoal.
A ascensão do individualismo de massa — bem como os movimentos pelos
direitos civis e contra a guerra dos anos 1960 — deu mais poder a
vozes antes emudecidas. Os escritores revelaram a sua natureza mais
íntima, bem como experiências pessoais, e a relevância da experiência
individual indicava a importância do grupo ao qual estava ligada.
Homossexuais, feministas e outras vozes marginalizadas exaltavam suas
histórias. Escritores judeus americanos e negros americanos encontraram
grande público por causa de suas variações do sonho ou do pesadelo
americano. Escritores de origem protestante, tais como John Cheever e
John Updike, discutiram o impacto da cultura do pós-guerra em uma vida
como a deles. Alguns escritores modernos e contemporâneos ainda estão
ligados a tradições mais antigas, como o realismo. Alguns podem ser
descritos como classicistas, outros como experimentais,
estilisticamente influenciados pela transitoriedade da cultura de massa
ou por filosofias como o existencialismo ou o socialismo. Outros são
mais facilmente agrupados por etnia ou região. No entanto, como um
todo, os escritores modernos sempre afirmam o valor da identidade
individual.
![]() Sylvia Plath (©AP Images) |
Sylvia Plath (1932-1963)
Sylvia Plath teve uma vida aparentemente exemplar. Freqüentou a
Faculdade Smith com bolsa de estudos e se formou como primeira da sua
turma. Também ganhou uma bolsa Fulbright para a Universidade de
Cambridge na Inglaterra. Foi lá que encontrou seu carismático futuro
marido, o poeta Ted Hughes, com quem teve dois filhos e foi morar em
uma casa de campo na Inglaterra.
Por trás do sucesso de conto de fadas acumulavam-se os problemas mal
resolvidos evocados em seu romance altamente merecedor de ser lido, A Redoma de Vidro
(1963). Alguns desses problemas eram pessoais, ao passo que outros
eram fruto da identificação de atitudes repressivas com relação à mulher
nos anos 1950. Entre elas encontram-se crenças — compartilhadas
inclusive por muitas mulheres — de que a mulher não deveria mostrar
raiva nem ter ambição de carreira, mas alcançar a realização na tarefa
de cuidar do marido e dos filhos. Mulheres profissionalmente
bem-sucedidas como Sylvia Plath sentiam que viviam uma contradição.
A vida de Sylvia Plath, que mais parecia ficção, desmoronou quando
ela se separou de Hughes e começou a cuidar dos filhos pequenos em um
apartamento londrino durante um inverno extremamente frio. Doente,
isolada e desesperada, Plath trabalhou contra o tempo para produzir uma
série de estonteantes poemas, antes de se suicidar inalando gás de
cozinha. Esses poemas foram reunidos na coletânea Ariel (1965),
dois anos após sua morte. O poeta Robert Lowell, que escreveu a
introdução, ressaltou a rápida evolução de sua arte desde a época em
que freqüentava aulas de poesia em 1958.
Os primeiros poemas de Plath eram bem elaborados e tradicionais, mas
os da fase final revelam uma bravura desesperada e um grito
protofeminista de angústia. Em “O Candidato” (1966), Plath expõe o
vazio do atual papel de esposa (que se vê reduzida a uma “coisa”
inanimada):
Uma boneca de carne, onde quer que você olhe.
Sabe costurar, sabe cozinhar.
Sabe falar, falar, falar.
(Tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo)
Sabe costurar, sabe cozinhar.
Sabe falar, falar, falar.
(Tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo)
![]() Allen Ginsberg (©Arquivo Bettmann) |
Allen Ginsberg (1926-1997)
Os “poetas beat” surgiram nos anos 1950. O termo “beat” sugere vários tempos fortes de uma música, como no jazz; beatitude angelical ou bem-aventurança; e “beat up”, cansado ou batido, surrado, machucado. Os beats (beatniks)
tiveram como fonte de inspiração o jazz, a religião oriental e a vida
errante. Tudo isso foi descrito no famoso romance de Jack Kerouac On the Road — Pé na Estrada,
que foi uma sensação na época de sua publicação em 1957. Relato de uma
viagem de carro pelo país em 1947, o romance foi escrito em um rolo de
papel contínuo durante três semanas alucinantes, o que Kerouac chamou
de “prosa bop espontânea”. O estilo selvagem e aberto a
improvisações, personagens que eram ao mesmo tempo antenados e místicos
e a rejeição às convenções inflamaram a imaginação dos jovens leitores
e ajudaram a abrir a porta para a contracultura independente dos anos
1960.
Os beats mais importantes migraram da Costa Leste dos
Estados Unidos para São Francisco, obtendo reconhecimento nacional pela
primeira vez na Califórnia. O carismático Allen Ginsberg tornou-se o
principal porta-voz do grupo. Filho de um pai poeta e de uma mãe que
além de excêntrica era militante comunista, Ginsberg freqüentou a
Universidade de Colúmbia, onde logo fez amizade com os colegas Kerouac
(1922-1969) e William Burroughs (1914-1997), cujos romances violentos e
apavorantes sobre o submundo da dependência química da heroína incluem
O Almoço Nu (1959). O trio foi o núcleo do movimento beat.
A poesia beat é oral, repetitiva e produz grande efeito quando lida, principalmente porque surgiu das leituras de poesia em clubes “underground”.Algumas pessoas podem estar corretas ao vê-la como a bisavó do rap, que prevaleceu nos anos 1990. A poesia beat foi a forma literária mais antiestablishment
dos Estados Unidos, mas por trás das palavras chocantes existe o amor
pelo país. A poesia é um grito de dor e raiva contra o que os poetas
vêem como a perda da inocência americana e o trágico desperdício de
seus recursos materiais e humanos.
Poemas como Uivo (1956) de Allen Ginsberg revolucionaram a poesia tradicional.
Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela
loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
“hipsters” com cabeças de anjo ansiando pelo antigo contato celestial
com o dínamo estrelado na maquinaria da noite...
(Tradução de Claudio Willer)
loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
“hipsters” com cabeças de anjo ansiando pelo antigo contato celestial
com o dínamo estrelado na maquinaria da noite...
(Tradução de Claudio Willer)
![]() Tennessee Williams (©AP Images) |
Tennessee Williams (1911-1983)
Nascido no Mississippi,
Tennessee Williams foi um dos indivíduos mais complexos da cena
literária americana de meados do século 20. Sua obra enfocou os
distúrbios emocionais no seio das famílias — a maioria delas sulistas.
Ficou conhecido por suas repetições encantatórias, pela dicção poética
peculiar do sul, pelos estranhos cenários góticos e pela exploração
freudiana da emoção humana. Um dos primeiros autores americanos a
assumir abertamente a sua homossexualidade, Williams explicou que os
anseios dos seus atormentados personagens eram expressão da solidão em
que viviam. Eles vivem e sofrem intensamente.
Williams escreveu mais de 20 peças de teatro, muitas delas
autobiográficas. Atingiu o apogeu relativamente cedo na carreira — nos
anos 1940 — com À Margem da Vida (1944) e Um Bonde Chamado Desejo (1949). Nenhuma de suas obras publicadas nas duas décadas seguintes alcançou o nível de sucesso e a riqueza dessas duas peças.
![]() Eudora Welty (©AP Images) |
Eudora Welty (1909-2001)
Nascida no estado do Mississippi em uma família abastada, de pais que
vieram do norte, Eudora Welty teve como guias os romancistas Robert
Penn Warren e Katherine Anne Porter. Na verdade, foi Katherine Porter
quem escreveu a introdução da primeira coletânea de contos de Welty, A Curtain of Green [Uma Cortina de Verde]
(1941). Em sua obra matizada, Eudora Welty buscou seguir o exemplo de
Porter, mas essa mulher mais jovem se sentia de fato mais atraída pelo
cômico e grotesco.Como a colega escritora sulista Flannery O’Connor,
Welty escolhia geralmente como tema personagens anormais, excêntricos
ou excepcionais.
Apesar da presença da violência em sua obra, a engenhosidade de Welty
era essencialmente humana e afirmativa. Suas coletâneas de contos
incluem The Wide Net [A Grande Rede] (1943), The Golden Apples [As Maçãs Douradas] (1949), The Bride of the Innisfallen [A Noiva de Innisfallen] (1955) e Moon Lake [Lago da Lua] (1980). Welty também escreveu romances como, por exemplo, Casamento no Delta (1946), que tem como tema central uma família rural em tempos modernos e A Filha do Otimista (1972).
![]() Ralph Ellison (©AP Images) |
Ralph Ellison 1914-1994
Ralph Ellison era do Centro-Oeste, nascido em Oklahoma. Estudou no
Instituto Tuskegee no Sul dos Estados Unidos. Teve uma das carreiras
mais estranhas das letras americanas — que consiste de um livro
altamente aclamado e pouco mais do que isso.
Seu romance Homem Invisível (1952) é a história de um jovem
negro que leva uma vida secreta em um porão profusamente iluminado por
energia elétrica roubada de uma prestadora de serviços públicos. O
livro narra suas experiências grotescas e frustrantes. Ao ganhar uma
bolsa de estudos para uma faculdade exclusivamente para negros, ele é
humilhado pelos brancos; ao chegar lá, vê o presidente da escola
menosprezar os problemas dos negros americanos. A vida também está
corrompida fora da faculdade. Por exemplo, mesmo a religião não serve
de consolo: um pregador acaba por se revelar um criminoso. O romance
acusa a sociedade de falhar em prover seus cidadãos — negros e brancos —
com ideais e instituições capazes de realizá-los. O romance expressa
um tema racial forte porque o “homem invisível” não é invisível por si
mesmo, mas porque os outros, cegos pelo preconceito, não conseguem
vê-lo pelo que é.
![]() Saul Bellow (©AP Images) |
Saul Bellow (1915-2005)
Nascido no Canadá e educado em Chicago, Saul Bellow era de família de
origem judaica russa. Na faculdade, estudou antropologia e sociologia,
e isso teve grande influência em sua produção literária. Certa vez
expressou sua profunda gratidão ao romancista realista americano
Theodore Dreiser por sua abertura para um amplo leque de experiências e
seu envolvimento emocional nisso. Altamente respeitado, Bellow recebeu
o Prêmio Nobel de Literatura em 1976.
Os primeiros romances existencialistas e algo sombrios de Bellow incluem Por Um Fio (1944), estudo kafkiano de um homem esperando o alistamento no exército, e A Vítima
(1947), sobre as relações entre judeus e gentios. Nos anos 1950, sua
visão ganhou uma conotação mais cômica: usou diversos narradores ativos
e ousados em primeira pessoa em As Aventuras de Augie March (1953) — o estudo de um empresário urbano do tipo “Huck Finn” que se torna comerciante no mercado negro da Europa — e em Henderson, o Rei da Chuva
(1959), romance sério-cômico brilhante e exuberante sobre um
milionário de meia-idade cujas ambições irrealizadas o encaminham para a
África.
As obras posteriores de Bellow incluem Herzog (1964), sobre a vida agitada de um professor de inglês neurótico que se especializa no ideal do eu romântico; O Planeta do Sr. Sammler (1970); O Legado de Humboldt (1975); e o autobiográfico Dezembro Fatal (1982). Agarre a Vida (1956) é
uma novela centrada em um homem de negócios fracassado, Tommy Wilhelm,
que é de tal forma consumido por sentimentos de insuficiência que
acaba por se tornar totalmente inadequado — um fracasso com as
mulheres, nas tarefas, com as máquinas e no mercado de commodities,
onde perde todo o seu dinheiro. Wilhelm é um exemplo do schlemiel (indivíduo sem sorte, pessoa azarada) do folclore judaico — a quem sempre acontecem coisas infelizes.
![]() John Cheever (©AP Images) |
John Cheever (1915-2005)
John Cheever tem sido chamado com freqüência de “romancista de
costumes”. É também conhecido por seus contos elegantes e sugestivos,
que examinam minuciosamente o mundo dos negócios de Nova York por meio
de seus efeitos sobre os empresários, suas mulheres, seus filhos e
amigos.
Uma melancolia mordaz e o desejo de paixão — ou certeza metafísica —
nunca totalmente mitigado, mas aparentemente sem esperança, espreitam
nas sombras dos contos de Cheever, delicadamente elaborados em um
estilo tchekoviano e reunidos em The Way Some People Live [A Forma Como Algumas Pessoas Vivem] (1943), The Housebreaker of Shady Hill [O Arrombador de Shady Hill] (1958), Some People, Places, and Things That Will Not Appear in My Next Novel [Algumas Pessoas, Lugares e Coisas que Não Aparecerão no Meu Próximo Romance] (1961), The Brigadier and the Golf Widow [O Brigadeiro e a Viúva do Golfe] (1964) e O Mundo das Maçãs (1973). Seus títulos revelam sua característica indiferença, jocosidade e irreverência e fazem alusão ao assunto tratado.
Cheever também publicou vários romances — O Escândalo dos Wapshot (1964), Acerto de Contas (1969) e Sobrevivendo na Prisão (1977) — o último do qual é largamente autobiográfico.
![]() John Updike (©AP Images) |
John Updike (1932- )
John Updike, como Cheever, também é considerado escritor de costumes com suas narrativas ambientadas nos bairros de classe média, assuntos domésticos, reflexões sobre o tédio e a melancolia e, em especial, seus locais ficcionais no litoral leste dos Estados Unidos, em Massachusetts e na Pensilvânia.É mais conhecido por seus cinco livros do Coelho, descrições da vida de um homem — Harry “Coelho” Angstrom — por meio dos altos e baixos de sua existência ao longo de quatro décadas de história social e política dos EUA. Coelho Corre (1960) é um reflexo dos anos 1950, apresentando Angstrom como um jovem marido descontente e sem rumo. Coelho em Crise (1971) — destacando a contracultura dos anos 1960 — encontra Angstrom ainda sem objetivos e propósitos definidos ou sem uma alternativa viável para escapar do banal. Em O Coelho Está Rico (1981), Harry torna-se um empresário próspero na década de 1970, enquanto a era do Vietnã começava a sair de cena. O romance final, Coelho Cai (1990), vislumbra a reconciliação de Angstrom com a vida antes de morrer vítima de um ataque cardíaco, tendo como pano de fundo os anos 1980.
Updike é atualmente o escritor de estilo mais brilhante entre todos os outros, e seus contos oferecem exemplos cintilantes de sua abrangência e inventividade.
![]() Norman Mailer (©AP Images) |
Norman Mailer (1923- )
Norman Mailer se transformou no romancista de maior visibilidade dos anos 1960 e 1970. Co-fundador do The Village Voice, jornal semanal antiestablishment da cidade de Nova York, Mailer promoveu ao mesmo tempo a si mesmo e suas opiniões políticas. Em sua ânsia por experiência, estilo vigoroso e persona pública surpreendente, Mailer segue a tradição de Ernest Hemingway. Para conseguir uma posição estratégica na cobertura do assassinato do presidente John F. Kennedy, dos protestos contra a Guerra do Vietnã, da libertação negra e do movimento de mulheres, encarnou diferentes personas, apresentando-se como alguém por dentro da moda, existencialista e o macho por excelência (em seu livro Política Sexual, Kate Millett identificou Mailer como machista arquetípico). O irreprimível Mailer não só casou seis vezes como se candidatou a prefeito de Nova York.A partir de exercícios ao estilo do Novo Jornalismo como Miami e o Cerco de Chicago (1968), análise das convenções presidenciais americanas de 1968, e o instigante estudo sobre a execução de um criminoso condenado, A Canção do Carrasco (1979), Mailer passou a escrever romances ambiciosos, embora cheios de falhas, como Noites Antigas (1983), ambientado no antigo Egito, e o Fantasma da Prostituta (1991), que gira em torno da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA).
![]() Toni Morrison (©AP Images) |
Toni Morrison (1931- )
A romancista afro-americana Toni Morrison nasceu no estado de Ohio em uma família de formação espiritual. Estudou na Universidade de Howard em Washington, D.C., onde tem trabalhado como editora sênior de uma grande editora e professora ilustre em várias universidades.A ficção altamente elaborada de Toni Morrison ganhou reconhecimento internacional. Em romances fascinantes e cheios de vigor, ela trata da complexidade da identidade negra de forma universal. Em sua obra inicial, O Olho Mais Azul (1970), uma jovem negra de personalidade forte conta a história de Pecola Breedlove, que é levada à loucura por um pai agressor. Pecola acredita que seus olhos escuros tornaram-se azuis por um passe de mágica e que eles a farão uma pessoa adorável. Morrison tem afirmado que criou seu próprio sentido de identidade como escritora por meio desse romance: “Eu era a Pecola, a Claudia, todo mundo.”
Sula (1973) descreve a forte amizade entre duas mulheres. Morrison pinta as mulheres afro-americanas como personagens únicos, totalmente individualizados, não estereotipados. Seu romance A Canção de Solomon (1977) ganhou vários prêmios. O livro segue a trajetória de um negro, Milkman Dead, e suas complexas relações com a família e a comunidade. Amada (1987) é a perturbadora história de uma mulher que prefere assassinar seus filhos a deixá-los viver como escravos. Nesse romance emprega técnicas oníricas do realismo mágico ao descrever a misteriosa figura de Amada, que volta a viver com a mãe que havia cortado sua garganta. Jazz (1992), ambientado no Harlem dos anos 1920, é uma história de amor e assassinato. Em 1993, Morrison ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.
Literatura contemporânea
No final do século 20 e início do século 21, a mobilidade social e geográfica das massas, a internet, a imigração e a globalização apenas enfatizaram a voz subjetiva em um contexto de fragmentação cultural. Alguns escritores contemporâneos refletem uma inclinação em direção a vozes mais calmas e acessíveis. Para muitos autores de prosa, a região, em vez da nação, é a geografia que importa.![]() Louise Glück (©AP Images) |
Louise Glück (1943- )
Uma das mais impressionantes poetas contemporâneas é Louise Glück. Nascida na cidade de Nova York, Glück, poeta americana premiada em 2003 e 2004, cresceu com permanente sentimento de culpa devido à morte de uma irmã nascida antes dela. Na Faculdade Sarah Lawrence e na Universidade de Colúmbia, estudou com os poetas Leonie Adams e Stanley Kunitz. Grande parte de sua poesia fala de perdas trágicas. Cada livro de Glück é um experimento de novas técnicas, tornando difícil uma síntese de sua obra.Em seu memorável A Íris Selvagem (1992), diferentes tipos de flores pronunciam pequenos monólogos metafísicos. O poema que dá título ao livro, uma exploração da ressurreição, poderia ser uma epígrafe para o conjunto de sua obra. A íris selvagem, uma flor linda de cor azul profundo que ao brotar de um botão que ficou adormecido durante todo o inverno, diz: “É terrível sobreviver / como consciência / enterrada na terra escura.”
Do centro da minha vida brotou
uma grande fonte, sombras de cor
azul profundo sobre o azul-celeste da água do mar.
![]() Billy Collins (©AP Images) |
Billy Collins (1941- )
A poesia de Billy Collins é original e estimulante. Collins usa a linguagem corrente para registrar milhares de detalhes da vida diária, combinando livremente os eventos do cotidiano (comer, realizar tarefas, escrever) com referências culturais. Seu humor e originalidade fizeram com que ele atraísse o grande público. Embora alguns tenham acusado Collins de ser acessível demais, seus imprevisíveis vôos de imaginação mergulham no mistério.A obra de Collins é uma forma domesticada de surrealismo. Seus melhores poemas catapultam de imediato a imaginação para uma série de situações cada vez mais surrealistas, propiciando no final uma aterrissagem emocional, uma disposição de ânimo na qual podemos nos apoiar. O pequeno poema “The Dead” [O Morto], tirado de Sailing Alone Around the Room: New and Selected Poems [Velejando Sozinho em Volta do Quarto: Novos Poemas Selecionados] (2001), dá uma idéia do vôo imaginativo e do suave aterrizar de Collins, como o de uma ave em busca de repouso.
Os mortos estão sempre a nos desdenhar, segundo dizem,
enquanto calçamos nossos sapatos ou preparamos um sanduiche,
eles nos olham com desdém de seus barcos de fundo de vidro, lá no céu
em seu lento remar pela eternidade.
![]() Annie Proulx (©AP Images) |
Annie Proulx (1935- )
A surpreendente escritora Annie Proulx cria histórias sobre os batalhadores habitantes do norte da Nova Inglaterra em Canções do Coração (1988). Seu melhor romance, Chegadas e Partidas (1993), é ambientado mais para o norte, em Newfoundland, Canadá. Proulx também passou anos no Oeste, e um de seus contos originou o filme “O Segredo de Brokeback Mountain”, em 2006.![]() Richard Ford (©AP Images) |
Richard Ford (1944- )
Oriundo do Mississippi, Richard Ford começou a escrever no estilo faulkneriano, porém, é mais conhecido por seu romance sutil ambientado em Nova Jersey, O Cronista Esportivo (1986), e sua continuação, Independência (1995). Esse romance é sobre Frank Bascombe, um vagabundo sonhador, ambíguo, que perde todas as coisas que dão sentido à sua vida — um filho, seu sonho de escrever ficção, seu casamento, amantes, amigos e emprego. Bascombe é sensível e inteligente — suas escolhas, diz ele, são feitas “para desviar a dor do arrependimento terrível” — e seu vazio, junto com os anônimos shopping centers e novos empreendimentos imobiliários áridos, os quais ele continuamente percorre em silêncio para comprovar a visão de Ford de uma doença nacional.![]() Amy Tan (©AP Images) |
Amy Tan (1952- )
O norte da Califórnia abriga uma rica tradição literária ásio-americana, cujos temas característicos incluem família e papéis dos gêneros, conflito entre gerações e busca de identidade. Uma escritora ásio-americana da Califórnia é a romancista Amy Tan, cujo best-seller Clube da Felicidade e da Sorte tornou-se filme de sucesso em 1993. Seus capítulos interligados como contos delineiam os diferentes destinos de quatro pares de mãe e filha. Entre os romances de Amy Tan que abarcam a China histórica e os Estados Unidos da atualidade, encontram-se Os Cem Sentidos Secretos (1995), sobre meias-irmãs, e A Filha do Restaurador de Ossos (2001), sobre os cuidados de uma filha com sua mãe.![]() Sherman Alexie (©AP Images) |
Sherman Alexie (1966- )
Sherman Alexie, índio criado na reserva de Spokane, da tribo Coeur d’Alene, é o mais jovem romancista indígena a alcançar fama nacional. Alexie faz relatos humorísticos e pouco românticos da vida dos índios abordando misturas incoerentes de tradição e cultura popular. Fazem parte de seus ciclos de contos Reservation Blues [O Blues da Reserva] (1995) e The Lone Ranger and Tonto Fistfight in Heaven [A Luta de Zorro e Tonto no Céu] (1993), que inspirou o ótimo filme sobre a vida nas reservas Sinais de Fumaça (1998), com roteiro do próprio Alexie. A coletânea recente de contos de Alexei é The Toughest Indian in the World [O Índio Mais Forte do Mundo] (2000).Fonte: VANSPANCKEREN,Kathryn . Panorama da literatura norte-ameticana.Embaixada norte-americana.Acesso em 06/01/2014 às 10:26h
Uma coletânea capaz de gerar um panorama geral da Literatura norte americana...
ResponderExcluir